Uma amiga me convenceu à colocar aqui uma amostra dos contos que escrevo. Considero-os ainda em construção, pois uma outra amiga, ainda não fez a revisão gramatical e ortográfica deles para mim (afinal, não sou perfeita), mas de qualquer forma é um meio de tê-los guardado em algum lugar, além de onde os coloco, pois vivo perdendo-os.
O
ônibus estava lotado e ela ia abrindo caminho por entre as pessoas, com uma
ladainha de “Com licença!” e “Me desculpe!”. Até que, perto dela, finalmente, o
paraíso: um lugar vago. Ela se sentou com sua mochila e seu fone no ouvido.
Procurava se distrair durante a viagem monótona, ouvindo música. Enquanto isso,
olhava o rosto dos demais passageiros. Em cada um, via uma imagem diferente.
De
repente, viu o motorista e algo aconteceu: foi como se a mágica inundasse a
viagem entediante... Ela era uma garota sonhadora, que gostava muito de ler,
principalmente romances de época. E o rosto do motorista levava sua imaginação
à um mundo de sonhos.
O
motorista deste ônibus possuía um rosto singular: de formato quadrangular, com
olhos bem traçados; um nariz reto, na medida certa; lábios perfeitos; um queixo
um pouco destacado, mas forte, másculo, viril; olhos castanho-escuros que
contrastavam com os cabelos louros e levemente cacheados. Tudo isto, recoberto
por uma pele lisa, sem imperfeições e muito clara. O pescoço era forte e
proporcional à cabeça. O tronco era másculo, de ombros largos e quadris
estreitos.
A
imagem deste homem inspirava a mente criativa e sonhadora da garota. Era um
rosto perfeito! Se ela fosse uma escultora, gostaria de esculpi-lo e guardar
toda aquela perfeição para a eternidade. Ele tinha um perfil... perfeito! Ela
não conseguia pensar em outra palavra que não fosse esta.
Não
era o que se poderia chamar de um típico rosto brasileiro, não. Era um tipo de
rosto europeu. Ela tinha vontade de poder esculpir um busto deste homem.
Conseguia imaginá-lo com roupas gregas, andando diante do Areópago, discutindo
com outros homens.
Mas
o que lhe caía à perfeição, era imaginá-lo como um típico lorde inglês. Isto
lhe caía como uma luva. Ela o via com roupas dos séculos XVIII ou XIX,
cavalgando pelos arredores do castelo, caçando, ou dançando em bailes com a
máscula discrição inglesa, ou sentado numa sala de seu pequeno castelo, jogando
com os amigos. Parecia ter saído das páginas de um romance inglês e seria um
personagem perfeito de Jane Austen.
Os
devaneios dela foram despertados pela cigarra do ônibus, que tocou forte, e
percebeu, de repente, que era seu ponto. Nossa! Quase o deixava para trás! Como
a viagem fora tão rápida desta vez? Agradeceu ao motorista, como sempre fazia e
desceu.
Mas
a imagem dele a perseguia. Agora entendia melhor o que se dizia a respeito de
pintores e escultores: que quando encontravam um modelo ideal, a imagem deste
se tornava uma obsessão, até que conseguissem transplantá-la para a tela ou a
pedra.
Passou
a esperar, com ansiedade, o ônibus da linha em que ele trabalhava. Começou a
utilizá-la mais vezes. E muitas vezes, encontrava-o dirigindo o ônibus. Eram
minutos mágicos, em que ela criava enredos de romances britânicos em sua mente
ou visualizava os que conhecia, encaixando a imagem dele entre os personagens.
Por estranho que pareça, nunca tinha ouvido ainda a voz dele. Ela a imaginava
com um timbre grave e másculo, como sua aparência. Uma voz semelhante a de Sean
Connery ou Matthew Macfadyen: a típica voz de um lorde inglês.
Um
dia, em meio aos seus devaneios no ônibus, subiu pela porta da frente um amigo
deste motorista, e perguntou como ele estava. A garota ficou ansiosa... Era a
primeira vez que iria ouvir a voz dele.
No
momento em que ele falou, ela sentiu dentro de si o som de algo que se
quebrava. Ele possuía uma voz fina, estridente, irritante, em nada parecida com
a beleza muda de seu busto perfeito.
A
sensação que a garota tinha era a de que alguém destruía a marretadas o busto
esculpido em sua mente e cacos voavam por todo lado; alguém rasgava em mil
pedaços os romances que construíra em sua imaginação. Ela se sentia como a
personagem da história da menina que carregava o pote de leite. O pote dela - e
o seu - se quebrara. Agora, não era mais uma viagem mágica. Voltara a ser
apenas uma viagem comum e entediante, como sempre fora.
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ResponderExcluirO comentário era sobre o conto "O Telefone", por isso foi excluído para ser colocado no lugar certo.
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