Eu sou católica
apostólica romana e leio e medito a Bíblia desde os 5 anos de idade, quando fui
alfabetizada e é maravilhoso ver como, principalmente o Evangelho, é sempre uma
eterna fonte de descobertas e aprendizagem. Como diz o próprio Jesus, em suas
comparações, “(...) “todo escriba que se tornou discípulo do Reino dos Céus é
semelhante ao proprietário que do seu tesouro tira coisas novas e velhas.” (Mt,
13, 52). Assim é a leitura bíblica. Por mais que a tenhamos lido diariamente,
estudado e meditado, sempre nos surpreendemos e aprendemos coisas novas. Posso dizer
que a Bíblia, mas principalmente os Evangelhos, é semelhante a um caleidoscópio – cada vez que o giramos,
vemos uma nova e bela imagem. E isto aconteceu comigo mais uma vez.
Ouvindo a homilia da Missa de Aparecida
(9h), proferida pelo Sr. Bispo de Santo André, SP, Dom Pedro Carlos Cipollini,
no dia 14 de maio de 2016, festa de São Matias Apóstolo, fui levada por ele a
ver uma nova faceta de Maria, que apesar de mais de 45 anos de leitura diária
do Evangelho, ainda não tinha conseguido enxergar.
Todos nós sabemos, pelos Evangelhos, que
Maria é modelo de amor, aceitação, obediência, abnegação, silêncio, confiança,
fidelidade e outras facetas mais, mas o Sr. Bispo me fez ver uma nova: compreensão e perdão.
Durante a homilia, ele citou a
importância de Maria, junto aos apóstolos, após a ressurreição de Cristo. Ela
não ficou revoltada ou com raiva dos mesmos, por terem abandonado seu Divino
Filho, no momento da Paixão – momento de maior dor, sofrimento e solidão de
Cristo. Devemos lembrar-nos que, dos Apóstolos, apenas João, o discípulo Amado,
estava ao pé da cruz, junto dela (Jo. 19, 25-27). Nenhum dos outros é citado, neste
momento crucial, nos quatro relatos dos Evangelhos.
Qual seria a atitude, pode-se dizer até
normal, de uma mãe neste momento? Não querer mais ver, saber ou tomar
conhecimento dos ingratos que o abandonaram! Quantas vezes nós mesmos temos
esta atitude em nossa vida? Afastamo-nos
e descartamos todos aqueles que se negaram a compartilhar ou a servir de apoio
em nosso momento de maior dor ou do sofrimento de um familiar querido, como um
filho, por exemplo.
Maria, no entanto age de forma totalmente diferente.
Possui a mesma compreensão, compaixão e misericórdia de seu Divino Filho. Ao
invés de afastar-se dos discípulos, pelo contrário, faz-se presente junto
deles, no Cenáculo, em oração perseverante (At 1, 14). E, com certeza, estava
lá no momento de Pentecostes, embora o Espírito Santo já habitasse seu ser
desde o momento do Fiat.
Esta é a nova visão evangélica que o Sr.
Bispo me deu. No coração de Maria, à semelhança do de Cristo, não há lugar
algum para rancor, revolta ou revanchismos. Ela é a “cheia de graça” (Lc 1, 28)! Olha para os Apóstolos e vê o quanto
ficaram atordoados com o final abrupto e violento que acometeu o Mestre a quem
tanto diziam amar. Percebe que nada entenderam do que seu Amado Filho tanto
lhes tinha dito, previsto e alertado. E o coração cheio de dor desta Mãe tem
compaixão destes homens. Compreende o
quanto ficaram não apenas assustados, mas cheios de medo, tanto dos romanos
como dos outros judeus; como tudo em que acreditavam parecia ter ruído e como
estavam desnorteados. E, simplesmente, perdoa
– mesmo que nenhum deles lhe tenha perdido perdão pelo abandono em que deixaram
seu Mestre, por não estar ao lado dela no momento de maior sofrimento que uma
mãe possa vivenciar. E o maior exemplo de compreensão e perdão é o acolhimento que lhes dá. Vai para junto
deles, reúne-se a eles em oração, está com eles em Pentecostes. Em momento
algum lhes dá as costas. Ela é, verdadeiramente, a “Mãe Misericordiosa”. Não encontramos
em nenhum lugar do Evangelho, qualquer citação que demonstre que Maria os tenha
repreendido por suas atitudes. E os Evangelhos não poupam os erros dos
Apóstolos – lá estão a traição de Judas, a negação de Pedro e seu subsequente
arrependimento, a fuga do jovem (muitos dizem ser Marcos) e outros Apóstolos no
Getsêmani, são exemplos disto. Se uma repreensão da Mãe do Mestre tivesse
existido, com certeza lá estaria...
Este novo olhar sobre estes fatos e a
atitude de Maria me tinham passado despercebido, por mais que eu medite a
respeito da pessoa desta Mãe tão querida... E com isto, subsequentemente, vem
uma indagação: consigo ser semelhante a ela? Procuro enxergar o âmago da
atitude de meus irmãos? Consigo compreender, ou ao menos tentar, o motivo mais
profundo existente por trás da atitude das pessoas? Consigo ser compassiva?
Afinal, “compaixão” vem do latim “compassion” (“cum + passus”) – é ter o
sentimento do outro, sentir com o outro a tal ponto como se fosse ele próprio.
É assim que ajo? Procuro entender o outro a partir do próprio outro, da visão e
sentimento dele? E, se consigo fazer isto, procuro perdoar e, ao invés de me
afastar do outro, me aproximar e acolhê-lo? Procuro – ou luto – para excluir
toda mágoa e ressentimento que poderia ter em relação ao outro? Lembrando que
sentimentos como “mágoa”, “ressentimento”, “rancor” não fazem mal apenas ao outro, mas principalmente à própria
pessoa que os tem? Que são uma espécie de câncer que corroem a alma e o
espírito?
Após
a reflexão e consequente exame de consciência, sinto-me uma cristã “de araque”
e vejo o quanto ainda tenho de melhorar, de me aprimorar, de exercitar o
verdadeiro espírito cristão. E peço que Maria, a Mãe Misericordiosa e
Compassiva me ajude a ser mais semelhante a ela e melhor seguidora do Divino
Filho dela. E que o Espírito Santo ilumine a mim e todos os cristãos, para que
consigamos aprender o que realmente significa “amor”, “compaixão”, “misericórdia” e “perdão”.